Há cerca de um mês, Dario Scott se arrumava para um compromisso inadiável. Chegou ao tribunal e aguardou pela sentença: absolvidos. Ao ouvir a decisão, disse a frase que repete desde que a filha se tornou uma das vítimas do voo JJ3054 da TAM que atravessou a pista de Congonhas e chocou-se com um prédio da companhia: “O culpado fui eu, que permiti que minha filha entrasse naquele avião”.
Para a decepção de Dario, a Justiça não ficou convencida de que uma ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), além de um ex-diretor e o ex-vice presidente da TAM fossem responsáveis diretos pela tragédia que matou 199 pessoas na noite chuvosa de 17 de julho de 2007.
Na disputa judicial, a acusação já sofreu duas derrotas que praticamente exauriram as chances de condenação. “Foram uma frustração. Tínhamos a expectativa da condenação”, lamenta Dario, que perdeu a filha Thaís Scott, de 14 anos que viajava para passar as férias com os avós.
O jornalista Roberto Gomes, 61, que perdeu o irmão Mário, que tinha 49, diz que a decisão “abalou o senso de justiça das famílias”. “Gostaríamos que o Ministério Público recorresse até as últimas instâncias. Hoje, não sabemos que futuro o caso terá.”
A acusação contra a ex-diretora da Anac Denise de Abreu era a de que ela havia induzido equivocadamente a Justiça a liberar a pista para operações sem restrições.
Acontece que meses antes do acidente a pista de Congonhas havia passado por reformas para aumentar sua aderência. Com obras incompletas, a pista foi liberada quando Denise encaminhou à Justiça relatórios que avalizavam a segurança. Entre os documentos, apresentou uma regra que restringiria o pouso de aeronaves que estivessem sem um dos reversores (um dos sistemas de freio dos aviões acionado pela turbina). A regra nunca foi posta em prática. Segundo a acusação, se o documento de Denise fosse válido, o pouso não seria autorizado em Congonhas, já que o avião estava com um dos reversores quebrados.
Marco Aurélio Miranda (ex-diretor de segurança da TAM) e Alberto Fajerman (ex-vice presidente da TAM), eram acusados de não terem desviado o voo, sabendo do defeito e que a pista estava molhada.
Após analisar hipóteses, Justiça livra réus da tragédia na capital
Na primeira e na segunda instância da Justiça Federal prevaleceram as interpretações dos relatórios da Polícia Federal e do Cenipa (órgão da Aeronáutica que investiga acidentes) que apontaram falhas no uso das turbinas do avião, não na situação da pista. O laudo do Cenipa mostrava que um dos manetes (controles das turbinas) do avião estava em posição de aceleração, quando deveria estar em ponto morto ao tocar a pista.
Por uma das hipóteses, ao tocar o solo o piloto teria feito o procedimento padrão, mas um erro no controle de potência fez com que a turbina esquerda forçasse a parada enquanto a direita acelerava.
Na segunda hipótese, o piloto teria errado. Por uma análise do Cenipa, os pilotos poderiam estar sob pressão ao saber das condições adversas da pista e do avião. Instantes antes do pouso o comandante teria alterado o procedimento padrão para ter maior segurança e se confundiu deixando uma das manetes em posição de aceleração.
Diante das hipóteses, a Justiça entendeu que os réus não poderiam evitar o acidente. Dez anos após a tragédia, Dario Scott lamenta a perspectiva de falta de condenações. “As famílias vivenciam o luto novamente a cada nova etapa. Ainda assim, queríamos que alguém tivesse sido condenado para que isso não voltasse a ocorrer de novo no Brasil”.