Com ou sem reforma, você vai perder dinheiro com a Previdência

Carteira de Trabalho e Previdência Social. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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Wellington Alves

Free São Paulo

O governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem tido dificuldade para conseguir avançar com a reforma da Previdência no Congresso Nacional. A proposta, que também não teve êxito com Michel Temer, é a prioridade do ministro da Economia, Paulo Guedes, para evitar que o Brasil entre em colapso. De fato, a situação das contas públicas é caótica.

Esse assunto atormenta muitas pessoas, principalmente aquelas que estão mais próximas de se aposentar e temem perder direitos. Outros defendem a reforma como obrigatória para que o Brasil não entre em recessão. Há divergências nos pontos de vista, mas o tema está nas conversas nas famílias, no trabalho, na faculdade, nos diversos ambientes. Afinal, o projeto é bom ou ruim?

Como qualquer tema que envolve política pública, a paixão muitas vezes atrapalha o discernimento. De forma pragmática, é possível dizer que o futuro do Brasil é de trevas, com ou sem a aprovação da reforma. A questão que pode ser debatida, apenas, é a escolha de um cenário menos pior para a maioria.

Rombo nas contas

Pelo sistema, as pessoas que trabalham contribuem para manter os pagamentos, em especial, de aposentados e pensionistas. Um problema no Brasil – e em todo o mundo – é o envelhecimento da população. As pessoas vivem mais do que no passado e as famílias têm menos filhos. Com isso, há um déficit no INSS, que acaba bancado pelo governo, que retira dinheiro de outros setores para não deixar os beneficiários desamparados.

O Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) é a autarquia do governo federal responsável pelo pagamento das aposentadorias e garantia do seguro social de pessoas sem condições de trabalho, sejam deficientes ou idosos sem o tempo mínimo de contribuição à Previdência.

Déficit

Só no ano passado, o governo teve de arcar com R$ 266 bilhões com salários de aposentados, além de R$ 55 bilhões do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é um salário mínimo para pessoas a partir dos 65 anos e deficientes que não se enquadraram nas regras do INSS e, também, não são bancados por suas famílias.

O caos na Previdência estourou antes do previsto por conta do Congresso Nacional, que fez pautas-bombas para inviabilizar o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), cassada em 2016. Um ano antes, os parlamentares aprovaram a regra 85/95, que facilitou o acesso à aposentadoria com valor integral, o que aumentou o endividamento do governo.

Dilma sancionou o projeto por conta do discurso petista de ajudar os trabalhadores, mas deixou as contas públicas insustentáveis. Ela apelou para as pedaladas fiscais e a assinatura de créditos suplementares, em desacordo com as metas fiscais, e sofreu o impeachment. Temer, ao assumir, prometeu fazer reformas para adequar as contas, mas não conseguiu alavancar a Previdência. Além disso, também as empresas privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência.

As 10 maiores mudanças do INSS com a PEC 6/2019

  1. Os trabalhadores terão de contribuir durante 40 anos para terem direito à aposentadoria integral.
  2. Elevação do tempo mínimo de contribuição para 20 anos, o que pode deixar mais de 35% dos brasileiros sem acesso ao benefício.
  3. Implantação da idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Em 2033, a estimativa é que haja aumento para 67 e 64 anos, respectivamente.
  4. Aumento da idade mínima e tempo de contribuição para a Previdência Rural.
  5. Pensão por morte pode ser inferior ao salário mínimo.
  6. Abono do PIS poderá ser sacado apenas por quem ganha até um salário mínimo, o que irá cortar o benefício de 20 milhões de pessoas.
  7. Pessoas com deficiência terão de contribuir por 35 anos, dependendo do tipo de restrição que possuam.
  8. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) cai para R$ 400 entre os 60 e 69 anos. O recurso é pago mensalmente a pessoas carentes, que não atingiram as regras previdenciárias.
  9. Todos os benefícios deixarão de ser corrigidos pela inflação.
  10. A contribuição dos trabalhadores irá para um fundo capitalizado, que pode sofrer quedas com as oscilações do mercado financeiro.

Sem futuro

Em fevereiro, Bolsonaro apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, com a nova Previdência, à Câmara dos Deputados. O projeto é duro e retira direitos, o que causou a fúria dos sindicatos e movimentos sociais. A alegação de Guedes é que, se o Brasil não economizar R$ 1 trilhão nos próximos 10 anos, não vai conseguir bancar as aposentadorias, perderá investidores e entrará em um período de forte instabilidade econômica e desemprego, como aconteceu com a Grécia nos últimos anos, por exemplo. Em outras palavras, o Brasil viraria uma espécie de Venezuela, com a população sem trabalho e acesso a itens básicos.

Até o momento, apenas o PSL e o Novo fecharam questão para aprovar a proposta. A oposição rejeita o texto. Já o restante dos partidos, em geral, concorda com mudanças, mas não tão radicais como as apresentadas por Guedes. O governo espera aprovar o projeto ainda neste ano.

Posições

Há um consenso que a Previdência vigente está falida. Mas o modelo a ser adotado é tema de intensos debates e posições antagônicas. O economista Antonio Azambuja, do Centro Universitário Sumaré, acredita que a PEC 6/2019 deve ser aprovada integralmente pelo Congresso, já que há necessidade de reduzir os custos do Estado. “O mundo se tornou global e isso nos exige uma vida mais espartana.” Ele considera que o governo federal não pode mais ser uma “mãe” para os brasileiros. “O salário mínimo, por exemplo, não garante o mínimo de condições para alguém viver. É apenas um indexador”, argumenta.

Já a economista Nilza Siqueira, professora da Fatec Cotia, avalia que o Brasil precisa se preparar para a reversão da pirâmide etária. Estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que, em 2039, o país terá mais idosos com mais de 65 anos do que crianças e adolescentes até 15 anos. Segundo a especialista, a principal dificuldade para as pessoas será conseguir trabalho nos anos prévios à aposentadoria.

“Na minha visão, o problema não é trabalhar até os 62 anos, por exemplo, mas conseguir se manter no mercado”, opina. Ela considera que o Brasil, com boa parte da população com baixa qualificação, corre o risco de aumentar as desigualdades. “A pessoa não vai ter trabalho e direito de se aposentar. O governo precisa ajustar as contas, mas é preciso investir em educação e fomentar a indústria para que retome a produção.”

Estudos

O Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) elaborou vários estudos que apontam para o crescimento das desigualdades sociais e da crise econômica, caso a reforma seja aprovada. O órgão considera que a economia de R$ 1 trilhão, proposta por Guedes, vai retirar o poder de consumo dos brasileiros e gerar um efeito negativo no mercado.

No intuito de detalhar as mudanças nas regras, caso a proposta de Bolsonaro seja aprovada, o Dieese lançou a Calculadora da Aposentadoria. Com ela, o usuário coloca os seus dados e consegue informações sobre quanto falta para ele se aposentar, pelas regras atuais e as da reforma.

Na opinião do diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, a reforma falha ao retirar benefícios dos mais pobres. “Colocar restrições ao regime de Previdência, sendo que a maioria dos aposentados ganham, em média, R$ 1, 4 mil, é um erro.”

Clemente cita a retirada do abono do PIS, que é um salário mínimo pago a quem recebe até dois salários, em média, por ano. Em São Paulo, todos perderiam o benefício, que será pago, pela reforma, somente a quem ganhar até um salário mínimo. Legalmente, o piso estadual é superior ao mínimo nacional. “A solução seria copiar alguns países europeus, que taxaram os mais ricos para não impactar os mais pobres.”

Expectativa

O mercado financeiro espera que a reforma seja aprovada ainda no primeiro semestre. A expectativa no Congresso Nacional é que isso aconteça, mas com um texto mais brando. Sem uma base sólida na Câmara dos Deputados, o governo Bolsonaro tem sofrido para acelerar a PEC nas comissões. Já as centrais sindicais e movimentos sociais se mobilizam para fazer uma greve geral contra a nova Previdência e pressionar os parlamentares. Esse promete ser uma briga longa, mas sem um final feliz para todos.

Foto: Marcos Santos/USP Imagens