Fechamento da Furp pode deixar milhares sem remédios

Ivanildo Porto
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Wellington Alves – Foto: Ivanildo Porto

A crise na Fundação do Remédio Popular (Furp) pode causar grandes prejuízos para usuários de medicamentos negligenciados – que não são produzidos pela iniciativa privada – em todo o Estado de São Paulo. O governador João Doria (PSDB) avalia encerrar as atividades da empresa farmacêutica estatal. A decisão deve ser tomada até o final deste ano.

Com R$ 100 milhões em dívidas, a operação da Furp se torna inviável. A maior parte do déficit é com a Concessionária Paulista de Medicamentos (CPM), que é uma parceria público-privada (PPP) que administra a fábrica na cidade de Américo Braziliense. Em 2017, a estatal passou a ser investigada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo por irregularidades.

Em abril, a Assembleia Legislativa de São Paulo instaurou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Furp. Diferentemente da maioria das CPIs abertas no Legislativo estadual nos últimos anos, a que investiga a Furp tem sido atuante e destrinchado os problemas da empresa. Até agora, a comissão realizou 19 reuniões, com convocações importantes, como o secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann Ferreira, e o superintendente da fundação, Afonso Celso de Barros Santos.

O operador de empilhadeira William Mendes Januário, funcionário da Furp desde 2010, foi o responsável pela denúncia das irregularidades no MP. Ele chegou a ser demitido, mas conseguiu ser recontratado por decisão judicial. “A empresa que ganhou a PPP deveria fazer investimentos, mas não o fez”, afirmou à CPI, em 18 de junho.

Apesar dos déficits constantes, a Furp é fundamental para produzir remédios negligenciados. Sem eles, milhares de pessoas ficariam sem os medicamentos, já que eles não são produzidos pelas empresas privadas por falta de apelo comercial. “A Furp tem um papel social. O custo de produção não é baixo, mas o de venda é. Então o mercado não tem interesse em produzir e sobra para a Furp”, admitiu Santos, à CPI.

Divulgação/AEC

Presidente da CPI se posiciona contra fechamento das fábricas

O deputado estadual Edmir Chedid, presidente da CPI da Furp, afirmou que o fechamento da empresa nunca foi uma das metas da comissão. Ele considera perigosa a proposta do governo estadual de encerrar as atividades da fundação, caso o déficit não seja resolvido. “A Furp é a única fabricante de alguns medicamentos que não despertam o interesse da iniciativa privada por serem considerados pouco lucrativos, casos da estreptomicina e do etambutol, usados para o tratamento de tuberculose.”

Chedid afirmou que o relatório final da CPI deve ser votado em novembro. Ele não indicou se haverá denúncia contra os atuais ou os ex-gestores da Furp, mas lembrou que na CPI das Organizações Sociais da Saúde foram 54 pessoas denunciadas, incluindo servidores públicos.

Para o deputado, o principal problema da Furp é o contrato com a CPM. O Estado paga R$ 90 milhões por ano para a empresa gerir a fábrica de Américo Brasiliense e produzir remédios que, pela iniciativa privada, podem ser comprados por R$ 34 milhões. O encerramento do contrato custaria R$ 150 milhões. “Outra alternativa seria repactuar os termos do contrato com a CPM, permitindo a inclusão de novos medicamentos no rol de produtos da fábrica e a definição de mecanismos mais claros para a definição de preços”, explicou.

Divulgação/AEC

Ociosidade das unidades impressiona

Se as contas não fecham na Furp, um dos motivos é a ociosidade das fábricas. A de Guarulhos opera atualmente com 42% do tempo inativa. No caso de Américo Brasiliense, a situação é pior: o índice chega a 75%.

Para o presidente da CPI, Edmir Chedid, o quadro é vergonhoso. “Essas fábricas não estão atendendo a população como poderiam, especialmente num momento de crise econômica no país, em que mais pessoas dependem da distribuição gratuita de medicamentos”, alertou.

Apesar do problema, a situação já foi pior. A unidade de Guarulhos, em 2018, operou com ociosidade de 63%. Houve crescimento na produção de medicamentos após as denúncias de irregularidades.

Outro lado

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que “a atual gestão da Furp preza pela transparência. No momento, estão em curso análises visando alternativas para a fábrica. Qualquer medida que venha a ser adotada será fundamentada em critérios técnicos e priorizará a garantia do fornecimento gratuito dos medicamentos à população. Até o momento, não há qualquer definição quanto a mudanças”.

Raio X da Furp

Dívida R$ 100 milhões

Fábrica de Guarulhos

Inauguração: 1984

Gestão própria

48 mil metros quadrados de área construída

853 funcionários

960 milhões de unidades produzidas anualmente

Fábrica de Américo Brasiliense

Inauguração: 2009

Gestão cedida ao CPM, do Grupo EMS, por PPP de 15 anos

25 mil metros quadrados de área construída

134 funcionários, sendo 25 da Furp para fiscalizar a operação

Capacidade de produzir 1,2 bilhão de unidades anualmente